“Então, virá o fim”. A
advertência bíblica acerca do final dos tempos tem ecoado ao longo das
eras, com maior ou menor intensidade.
Em determinados momentos da história,
tudo parece conspirar no sentido de encaminhar a humanidade ao
inexorável destino da destruição.
Foi assim nas grandes guerras, em surtos
de doenças mortais, diante de catástrofes naturais ou sob a opressão de
grandes tiranos, normalmente identificados como o anticristo – aquelas
ocasiões em que o mal parece absoluto. Noutras épocas, a escatologia
parece ficar relegada a segundo plano. Em tempos de paz e prosperidade,
poucos parecem se lembrar de que tudo o que existe caminha para um
desfecho. Os extremos, porém, são sempre arriscados. Seja qual for a
abordagem, e independentemente de postura teológica, as Escrituras não
escondem que o plano de Deus tem um começo e um fim, vindo depois disso o
que a Palavra chama de eternidade. Afinal, como vemos de fato o final
dos tempos?
Sabemos que nossa vida é apenas uma gota
de tempo infinitamente pequena, se comparada ao oceano da eternidade.
Costumamos dizer que estamos apenas de passagem por aqui, como
peregrinos em terra estranha; se olharmos adiante, para longe deste
mundo físico do qual sairemos através da morte para estar junto àqueles
que seguiram a Jesus, seremos realmente levados a pensar que aqui não é a
nossa casa. Nesta ótica, o planeta Terra seria mais parecido com um
hotel, onde passamos determinado período sem maiores compromissos. Mas, e
se Deus realmente quisesse que tudo aqui fosse mais parecido com uma
casa, e menos com um hotel?
Tanto ou mais do que qualquer problema
teológico, o ensino bíblico sobre o fim dos tempos deve ser abordado com
humildade. Quando Jesus ensinou seus seguidores acerca do assunto,
preferiu usar parábolas e metáforas. Foi a maneira encontrada pelo
Mestre para que suas palavras fossem contextualizadas – algumas vezes,
com grande criatividade – e, assim, melhor compreendidas pelos ouvintes.
Entender as coisas de Deus requer imaginação, bem como razão.
Raramente, Jesus questiona uma simples questão ou descrições concretas, e
nunca, períodos específicos. A mesma observação se aplica ao Apocalipse
de João e às relevantes profecias do Antigo Testamento. Embora muitos
cristãos defendam doutrinas heterodoxas acerca do fim dos tempos, é
preciso demonstrar humildade diante de respostas que poucas vezes são
totalmente claras. No entanto, aquilo que acreditamos acerca da teologia
do fim muitas vezes influencia profundamente a forma como vivemos aqui e
agora.
A doutrina da ressurreição corporal de
Cristo e de seus santos, por exemplo, tem muitas implicações para
aqueles que nela acreditam. Não muito tempo atrás, na própria
Christianity Today, N.T. Wright abordou sua importância, já que os
cristãos têm a esperança da própria ressurreição corporal. “A missão da
Igreja”, ele argumenta, “é a consequência, no poder do Espírito, da
ressurreição corporal de Jesus (…) A divisão entre salvar as almas e
fazer o bem no mundo não é um produto da Bíblia ou do Evangelho, mas do
cativeiro cultural de ambos. O mundo do espaço, do tempo e da matéria é
real, onde as pessoas vivem, onde as comunidades reais acontecem (…) E a
Igreja que se renova com a mensagem da ressurreição de Jesus deve ser a
Igreja que vai trabalhar justamente nesse espaço, tempo e matéria.”
Em outras palavras, se nós não
acreditamos em uma ressurreição corporal e se olharmos para o céu com
olhos gnósticos como um lugar de espíritos desencarnados e anjos
pairando nas nuvens, tangendo harpas, seremos muito menos propensos a
levar a sério a importância da cuidar dos corpos – os nossos e os dos
outros – e do mundo físico em que habitamos. Por outro lado, levar a
sério a crença na ressurreição física obriga os cristãos a trabalhar
pelo resgate e restauração de influências divinas neste mundo
circunscrito a espaço, tempo e matéria.
“UM SERÁ TOMADO; OUTRO, DEIXADO”
Os ensinos mais conhecidas de Jesus
sobre o fim dos tempos estão registrados no evangelho de Mateus. No
capítulo 24, o Mestre faz uma singela ilustração para descrever o
impacto de sua segunda vinda: “Dois homens estarão no campo: um será
tomado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo com um
moinho; uma será tomada e a outra, deixada”. De acordo com Jesus, pelo
menos uma chave para compreender esse ensino é a história de Noé. O
Salvador descreve: “Como foi nos dias de Noé, assim será na vinda do
Filho do Homem. Pois nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam,
casavam e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca, e
não sabiam nada sobre o que iria acontecer; até que veio o dilúvio e os
levou a todos. Isso é como vai ser a vinda do Filho do Homem”.
Jesus parece estar enfatizando dois
aspectos da história de Noé. Um, é simplesmente o fator surpresa do
dilúvio. Ninguém estava esperando por aquilo, até porque jamais havia
chovido. No dia em que o aguaceiro começou a desabar, as pessoas foram
pegas de surpresa em meio aos seus afazeres normais – embora o próprio
Noé tivesse advertido a todos acerca do que estava para acontecer. Assim
também será a segunda vinda de Jesus. Os avisos já estão dados; devemos
estar sempre preparados. Aqueles que não seguem a Deus são, na
linguagem desta passagem “levados embora”. Por outro lado, Noé e sua
família são “deixados para trás.” Enquanto o dilúvio levava os ímpios,
Deus salva Noé e sua família para apreciar a bondade da criação renovada
e restaurada.
Isso inverte completamente alguns mitos e
compreensões populares acerca do final dos tempos. O trecho do
evangelho de Mateus descreve dois grupos de pessoas – em cada caso, uma
pessoa é levada para longe e outra é deixada para trás. E os versos 37 e
39 nos dizem que esse resultado reflete os dias de Noé. A passagem
inteira sugere fortemente que os “deixados para trás”, na descrição de
Jesus sobre a segunda vinda, não serão os ímpios, mas os seguidores de
Deus. Eles serão recompensados, como criaturas consagradas, com o novo
Reino de Deus. Tendo sido tirados, são os ímpios que perdem a chance de
experimentar os novos céus e a nova terra.
PLATONISMO x CRISTIANISMO
Jesus muitas vezes conta histórias cujas
principais ideias não são imediatamente óbvias. O trecho de Lucas
17.26-36, por exemplo, onde Jesus fala, um par de vezes, de duas
pessoas, das quais apenas uma será tomada, fornece uma versão diferente
desse ensino.. Aqui, o Mestre não se refere apenas ao dilúvio, mas
também à destruição de Sodoma. Na história de Ló, o justo é tirado da
cidade condenada, enquanto os que ficaram para trás são destruídos. Será
que isso inverte a lição derivada da história de Noé? Talvez ela não
tenha nada a ver com a possibilidade de ser tomado ou deixado, mas
simplesmente com o imperativo de estar pronto para o grande dia do
Senhor. A história de Ló, ao contrário da de Noé, não é sobre o
julgamento global, mas do juízo sobre uma cidade. De fato, mesmo nessa
questão, Ló e suas filhas, embora retirados de Sodoma, permanecem
deixados para trás como seres corporais, enquanto os ímpios, que ficaram
em Sodoma, pereceram fisicamente.
Paulo também discorreu sobre o assunto.
No texto de I Tessalonicenses 4.13-18, o apóstolo fala sobre o
arrebatamento da Igreja. O centro da passagem é uma mensagem de
esperança: a de que os crentes que morreram em Cristo, como aconteceu
com seu Senhor, serão ressuscitados dentre os mortos. Paulo fala de ser
levado às nuvens, ao encontro de Jesus. A maioria dos leitores acredita
que a descrição aponta para os seguidores de Cristo sendo retirados
deste mundo – é o “encontro com Jesus nos ares”. Mas, será isso mesmo?
Curiosamente, a palavra grega traduzida
como “encontro” é apantesis – termo pouco utilizado no Novo Testamento e
que aqui carrega uma conotação muito diferente. Apantesis significa ir
ao encontro de um magistrado ou dignitário recém-chegado para recebê-lo
de volta à sua cidade. Em outras palavras, esta passagem da Primeira
Carta aos Tessalonicenses não implica um afastamento da terra. Em vez
disso, a ênfase é sobre o retorno triunfal de Jesus. Paulo parece estar
evocando o episódio da entrada do Messias em Jerusalém, quando o povo
saiu da cidade para recebê-lo. João descreveu assim o célebre
acontecimento: “No dia seguinte, a grande multidão que tinha vindo para a
festa soube que Jesus estava a caminho de Jerusalém. Tomaram ramos de
palmeiras e saíram ao seu encontro, gritando: ‘Hosana! Bendito o que vem
em nome do Senhor! Bendito é o rei de Israel!'” (João 12.12-13). Isso
parece muito mais de acordo com o contexto das Escrituras. Romanos
8.18-24 fala da obra redentora e libertadora de Deus em toda a criação.
Apocalipse 11.18 fala do julgamento de Deus “para destruir aqueles que
destroem a terra”. Os primeiros capítulos de Gênesis e numerosos salmos
(em especial, o 104), falam da criação de Deus e do modo como o Senhor
se deleita com ela, tendo colocado o homem como seu mordomo.
Nossa imagem popular do arrebatamento é a
dos salvos sendo levados sobrenaturalmente pelo Senhor, enquanto que os
ímpios ficam para trás. Convém registrar que esse tipo de interpretação
leva mais em conta ensinos oriundos do platonismo e do gnosticismo, que
desvalorizam a criação do corpo físico, do que os do cristianismo.
Sócrates, quando foi condenado por haver supostamente corrompido a
juventude ateniense, teve prazer em morrer. Ele bebeu de bom grado a
cicuta, pois acreditava que assim teria uma chance de escapar da terra,
libertando-se de seu corpo. Na visão de Platão, Sócrates, o filósofo
justo e sábio, seria levado, enquanto que seus inimigos seriam deixados
para trás. Da mesma forma, nós, os cristãos, andamos ansiosos para
escapar do mundo e imaginamos que ser deixado para trás é uma punição –
e, assim, podemos estar abraçando o gnosticismo e o platonismo, ao invés
da fé cristã.
MORADA ABENÇOADA
Nada disso, é bom que se diga,
desacredita todas as ideias e sentimentos expressos pelas representações
populares da volta de Cristo e do fim dos tempos – e, mas importante
ainda, a necessidade de estarmos, como crentes em Jesus, sempre
preparados para o fim. “Vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora” – a
advertência expressa do Senhor acerca de sua volta –, deve continuar
ecoando nos ouvidos de todo aquele que crê. No entanto, se o nosso
pensamento a respeito de quem fica para trás está errado, estamos
propensos a adotar atitudes equivocadas no que diz respeito à criação. O
mundo não é um hotel, mas um lar. Imaginar o contrário significa
minimizar a importância da ressurreição corporal. De fato, a
centralidade da ressurreição para a doutrina cristã é uma razão pela
qual somos levados à compreensão de que as palavras de Cristo, nos
capítulos 24 e 25 do evangelho de Mateus, contestam nosso profundo
horror ante a perspectiva de sermos deixado para trás.
Se ficar neste mundo representa um
castigo, o que dizer sobre o nosso ponto de vista da criação? Se
ansiamos por escapar desta existência corpórea, em vez de aguardar a
nossa ressurreição corporal e a vinda do céu para a terra, que tipo de
cuidados teremos para com aquilo que Deus nos legou neste mundo? As
respostas, até agora, têm sido bastante desanimadoras. Este planeta em
que vivemos é nossa casa. É a morada que o Criador fez para nós e
abençoou para nossa presença. Vê-lo como o nosso lar é fundamental para
que cumpramos nossa missão de cuidar dele – assim, olharemos para o
futuro e nos veremos, no fim, sendo deixados para trás com nossos novos e
ressuscitados corpos.
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